No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com o arquiteto Eduardo Souto de Moura sobre o Estádio de Braga. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - Estamos muito entusiasmados com esta conversa porque o arquitecto tem uma forma muito simples de explicar a arquitectura. Lembro-me, por exemplo, quando falou dos corrimãos do Metro do Porto, que tinham no total 2 km, fez uma associação com as farturas. Explicando que era um elemento comprido, que depois tem de se cortar e distribuir por muitas estações de metro. Lembra-se dessa explicação, arquitecto?
Eduardo Souto de Moura - Lembro, mas eu acho que a arquitectura é fácil. O problema é chegar lá. Agora a arquitectura, em si, é fácil. É essencial. É um abrigo e tem de ser um abrigo agradável. Os arquitectos, por vezes, complicam. Fingem que são artistas. Há esse complexo dos arquitectos quererem ser artistas. Mas se é para ser artista é preferível ser músico ou pintor, mas não vamos discutir esse tema que é muito complexo.
SN - Ao longo dos episódios tentamos trazer tipologias diferentes que fazem parte da vida das pessoas – casas, museus, residências de estudantes, mercados – e hoje vamos falar de um estádio de futebol que, na realidade, é uma tipologia de edifício que tem muito a ver com a nossa identidade portuguesa. Uma vez que somos reconhecidos internacionalmente não só pelo gosto do futebol como pela nossa arte de jogar. Começava por lhe perguntar se gosta de futebol e se isso foi importante para fazer o projecto do Estádio Municipal de Braga.
ESM - Para ser sincero, não ligava nada a futebol. Quando era miúdo houve um conjunto de coincidências com muita graça, que acontece na arquitectura. Primeiro recuperei o Mosteiro de Santa Maria do Bouro para fazer uma pousada, que foi o mosteiro onde a minha mãe viveu porque tinha ficado doente e foi para o Gerês apanhar ares saudáveis... Portanto, quando fiz a obra, levei a minha mãe a ver a pousada e ela não gostou nada da obra.
SN - Não gostou?!
ESM - Não. Por acaso, o quarto que visitou era o quarto onde ela tinha vivido... Ao ver a pousada, ela disse: «Isto agora está muito bonito... Isto agora é muito moderno...». Houve ali um conjunto de circunstâncias que tem graça. Depois, para além disso, o Estádio de Braga é feito no sítio onde o meu pai nasceu. Quando eu era pequeno, o meu pai era sócio do Sporting Clube de Braga. Aliás, já tentei encontrar... eu cheguei a ter a inscrição de sócio, mas ninguém encontra o cartão. Deve ter um número de sócio muito pequeno... Não sei... Uma centena, qualquer coisa do género... Mas o de Braga ninguém encontra nada. Ou então não são simpáticos comigo e não querem encontrar. Depois havia outra questão... é que eu não me interessava nada pelo futebol, a não ser quando era miúdo e ia especificamente a Braga...
Fazia-me impressão ou achava graça... o estádio era uma espécie de estádio democrático, feito em pedra, muito bonito. Era denominado como 28 de Maio. Passou o 25 de Abril e ficou a chamar-se 1.º de Maio... tiraram os números... mas como era de bronze... O verde do bronze ficou gravado no granito... ficou sempre ‘28 de Maio’... por mais vocação democrática que se queira, o nome ‘28 de Maio’ está lá. Então ia lá ao estádio com o meu pai e achava graça que havia um monte, que é o Monte do Picoto, onde iam as pessoas mais pobres ou a miudagem que iam ver os jogos de cima, numa espécie de segunda tribuna, quase vertical e sem pagar.
Depois há uma história que tem graça que é da Câmara Municipal de Braga a perguntar se eu tinha o número de telefone do Santiago Calatrava. É um arquitecto e engenheiro espanhol que viveu em Zurique e que tem feito uma série de pontes muitas vezes com muitos problemas... está quase tudo em tribunal. Arrisca bastante... E, então, eu disse: «Mas porque é que querem o telefone do Calatrava? Eu não tenho. Tenho quase a certeza de que o conheci através do Siza... O Siza aqui em cima deve ter. Vou lá em cima e peço». E eles explicaram: «Porque nós queremos fazer um estádio. Já pedimos os honorários ao Foster e o Foster é muito caro. Então vamos tentar o Calatrava». E eu disse: «O Calatrava, segundo me consta, é mais caro que os outros. O Calatrava faz o projecto e exige que façam um atelier só para a própria obra. Ou seja, o atelier do projecto é feito na própria obra, mas eu vou lá em cima pedir o contacto». E ele respondeu: «Não. Se é mais caro, não estamos interessados. Olhe, diga-me uma coisa [isto foi o vice-presidente da Câmara Municipal de Braga]: você não quer construir o estádio?». E eu respondi: «É evidente que sim». E ele: «Então amanhã apareça aqui. Falamos com o presidente e tentamos combinar isso».
SN - Ah! Isso foi uma casualidade. Não sabia desta história.
ESM - É assim. Foi assim por acaso. Eu disse: «Mas o Foster é caro?! O Calatrava ainda é mais caro». E o senhor, muito simpático – do qual já não me lembro bem do nome… sei que era o vice-presidente socialista – disse: «Você não quererá fazer o estádio? Você deve ser barato». E eu disse: «Claro que quero». E começou assim.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
- João Carlos Santos
- Manuel Aires Mateus
- Carlos Antunes e Désirée Pedro
- Adalberto Dias
- Pedro Guimarães
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.